Ser drag queen é não temer o olhar dos outros

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É preciso muita coragem para ser quem a gente é. Porque isso exige primeiro olhar para si, para se reconhecer e se aceitar. Depois, enfrentar o mundo lá fora e o olhar do outro, sem buscar validação ou temer a rejeição. Rafael Mello (24) pode se considerar corajoso por ter feito o que muita gente passa a vida inteira sem fazer: mergulhar em seu mundo interno. Foi lá que ele encontrou Sarah Vika, a drag queen com quem passou a dividir a existência. Sem nenhum medo do que as pessoas iriam pensar.

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Quando nos apropriamos de nossas vidas e tiramos dos outros o poder de nos julgar, de nos congelar em imagens que não nos representam ou de nos colocar em lugares que não desejamos ocupar, passamos a nos ver realmente como somos – ou o mais próximo disso que somos capazes. Então, o olhar do outro também sai de cena. E nossos encontros passam a ser com pessoas que, mais do que apenas olhar, nos enxergam. Quem enxergou Sarah Vika dentro de Rafael foi Felipe De Marchi (30), seu namorado. “O Felipe mudou a minha vida. Sem ele a Sarah não existiria.”

Fã de RuPaul’s Drag Race, reality show de competição entre drags, Felipe percebeu que Rafael apresentava muitas características das participantes. “O Rafa sempre gostou muito de tudo que envolvia maquiagem, cabelo, figurino, fotografia, música, dança. Achei que o universo drag tinha a ver com essas paixões, mas que ele não percebia que podia reunir e canalizar de uma única forma”, conta.

Para ajudar nessa descoberta, Felipe resolveu apresentar o programa ao namorado. Mas foi preciso um pouco de insistência. “Rafael achava que seria chato. Na cabeça dele, ele veria apenas um perfil de drag queen, o que a gente conhecia até uns cinco anos atrás. Da caricatura, do exagero. E não uma cena plural, como existe hoje e que é mostrada no programa”.   

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À esquerda Rafael em sua formatura, com o namorado Felipe.

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O OLHAR DE SARAH VIKA

A primeira vez de Rafael como drag queen aconteceu no Halloween de 2012. A princípio, tratava-se apenas de uma brincadeira. “Conheci um menino, hoje um grande amigo, que também gostava muito de RuPaul’s. Resolvemos nos montar para entender como seria essa experiência. Foi uma maratona para conseguirmos. Mas a sensação de estar prontas, com outro corpo, outro rosto e outra persona era incrível”, lembra Rafael.

Felipe também participou dessas primeiras experiências, ao lado do namorado e do grupo de amigos. Juntos, eles gravaram um vídeo de divulgação e participaram de uma festa de fim de ano em uma casa noturna de Porto Alegre. Veja:

Mas, para Rafael, a diversão acabou se tornando coisa séria. Sua drag queen ganhou nome e sobrenome: Sarah –inspirado na apresentadora Sarah Oliveira, ídolo de adolescência – Vika, que veio por acaso, ao zapear os canais de TV e assistir a um clipe de uma cantora com esse nome.

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Na época, Rafael era fotógrafo de festas. Sarah ocupou o seu lugar. Com o tempo, o público passou mais a querer tirar fotos com ela do que ser fotografado por ela. Foi aí que Sarah começou a atuar como Dj e, depois, a realizar performances.  “Hoje em dia fazemos um pouco de tudo. De eventos fechados a boates, sessão de fotos, matérias de jornal, programas de TV, cursos de maquiagem e, claro, sucesso, meu bem!”, diverte-se ele.

O OLHAR DO NAMORADO

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Rafael e Felipe se conheceram em 2011. Depois de um ano entre idas e vindas, começaram a namorar. Foi na mesma época que Sarah surgiu.

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No início, Rafael teve receio de que Sarah afetasse sua imagem, aos olhos do namorado. Compreensível. Em uma sociedade machista como a nossa, o ideal masculino alcança até quem teria por obrigação questionar os estereótipos de gênero e sexualidade: nós, gays. São muitas as histórias de relacionamentos que chegam ao fim ou sequer iniciam quando se descobre que o parceiro é drag queen. “Mas ele lidou com mais facilidade que eu esperava e logo se tornou meu maior apoiador, confidente e staff.”

Felipe diz que desde o início soube separar quem é o Rafael e quem é a Sarah. “Eu me relaciono com o Rafael, que tem diversas características que eu gosto, inclusive masculinas. Também tenho muito orgulho do trabalho que ele realiza. A Sarah é um personagem que surge por algumas horas e vai embora na hora do banho. Eu costumo brincar que ela me permite realizar o sonho de infância de brincar de boneca e que eu, por ser menino, não podia”, conta.

O OLHAR DA FAMÍLIA

Após se montar pela primeira vez, Rafael mostrou as imagens como drag queen para a mãe, Rosa Maria Bagetti (55). “Ela achou engraçado porque se parecia com ela.” Com o passar do tempo, vendo que o filho estava levando a “brincadeira” adiante, vieram os questionamentos. Rosa queria entender o que era aquilo que ele estava vivenciando. “No primeiro ano como Sarah, tivemos duas ou três conversas sérias sobre o assunto. Hoje ela é super parceira, inclusive adora quando chega roupas e sapatos novos e até experimenta minhas perucas.”

Já o pai, Luís Carlos de Mello (55), ficou sabendo que o filho era drag queen por Kellin (31), irmã de Rafael e uma das maiores entusiastas de seu trabalho. Foi para ela que um dia ele ligou, após ver interações da mulher e da filha na fanpage de Sarah Vika. Queria saber se Sarah era Rafael. Ouviu que sim. No aniversário do filho, uma nova ligação. Junto com os parabéns, veio a seguinte fala: amo você e a Sarah Vika. Os dois se emocionaram.

O OLHAR DO PRECONCEITO

A relação com o restante da família também é de respeito. “Já ouvi de um padrinho, que foi militar a vida inteira, que eu chegaria muito longe como Sarah. Tenho muita sorte e recebo muito apoio de tios, primos, avós. Mesmo que eles não tenham vindo de um contexto esclarecido, eles se esclareceram”. Um olhar torto de desconhecidos ou um “travesti” dito com intenção de ofender foram as maiores demonstrações de preconceito que ele já vivenciou como Sarah Vika. “Já sofri muito mais preconceito por ser gay do que por ser drag queen”, compara.

O OLHAR DOS SONHOS

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Hoje o maior sonho de Rafael é de que Sarah Vika realize coisas. E Sarah parece disposta a tornar isso real. Faz planos de protagonizar campanhas publicitárias e ter uma linha de maquiagem com a sua assinatura. Inspirar pessoas é um sonho que eles sonham juntos. Querem que as pessoas descubram que são capazes de fazer o que quiserem. Basta coragem para serem quem são.

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Vídeo de inscrição para o programa “Drag me as a Queen” do Canal E!

Fotos: Reprodução Facebook e Instagram

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