Thiago Torres é um jovem de 19 anos e estilo ‘chavoso’ ou funkeiro: óculos Juliet, boné, camiseta de futebol, bermuda, tênis, correntes, pulseiras e relógio. Um jovem de ‘quebrada’, filho da Brasilândia, periferia de São Paulo, e agora estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo.
Quem cresceu com Thiago ou conhece sua história não se espantaria com o fato dele ser aluno da melhor universidade do país! Thiago era uma criança curiosa, não só gostava de estudar, como também era considerado pelos professores um dos melhores alunos da turma. Thiago brilhava na escola e, ainda pequeno, acompanhava os pais no trabalho na feira.
Na adolescência, mantendo o bom rendimento na escola, Thiago conseguiu um estágio em um cartório eleitoral e antes disso trabalhou em um estúdio de dança, onde fazia de tudo um pouco, da faxina até o atendimento na recepção. Hoje, o estudante divide as aulas da faculdade com o trabalho de Jovem Aprendiz, em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde mora atualmente.
Thiago conversou com a redação do Razões e revelou que o apoio em casa e na escola foi fundamental pra chegar aonde ele chegou. Do pai, Thiago ganhava gibis que ajudavam a desenvolver sua leitura e, dos professores, palavras de que teria um bom futuro, pois se mostrava um aluno muito inteligente.
PUBLICIDADE
CONTINUE LENDO ABAIXO
O Razões e o Educa Mais Brasil te ajudam a conseguir bolsa de estudo para cursos técnicos e profissionalizantes, cursos de idiomas, entre outras, clique aqui.
“Modéstia à parte, sempre fui um aluno estudioso e os professores sempre comentavam que eu era um dos alunos mais inteligentes. Isso faz bem para a autoestima do aluno, dá vontade de correr atrás das coisas. Meu pai também me incentivava muito, comprava gibis pra mim e falava ‘estuda, estuda, estuda!’”, lembra Thiago.
A escolha do curso
Thiago decidiu fazer Ciências Sociais no primeiro ano do ensino médio. Foi quando teve seu primeiro contato com a Sociologia. “Não que isso tenha sido determinante, mas eu não sabia que existia o curso. Mas se você perguntar para qualquer estudante de Ciências Sociais, tem a ver com um senso de justiça muito grande e de querer lutar contra as várias formas de opressão e discriminação”, afirma o estudante.
PUBLICIDADE
CONTINUE LENDO ABAIXO
“Não quer dizer que eu vou mudar o mundo fazendo Ciências Sociais, não é tão simples assim. Mas o curso dá aos estudantes uma capacidade de entender melhor como funciona sociedade e eu acho que não tem como a gente mudar alguma coisa sem saber o que está dando errado e como chegamos a esse erro.”
Preconceito
Em 2017, Thiago fez a prova do Enem e foi aprovado na USP na sua primeira tentativa. Desde 2015, a universidade aceita a nota do exame para o ingresso nos cursos de graduação. Thiago se preparou para a prova em um cursinho comunitário, para estudantes de baixa renda.
Demorou um tempo pra ficha cair, mas o jovem da Brasilândia conseguiu: rompeu o muro que separava a universidade pública da ‘quebrada’. Uma universidade de maioria branca, dominada por pessoas de classe média pra cima, distantes da realidade de Thiago.
PUBLICIDADE
CONTINUE LENDO ABAIXO
Leia também: Casal “chavoso” vira sensação na web com vídeo de um mês de namoro
“A USP foi pensada para pessoas brancas e ricas. As cotas raciais foram adotadas muito recentemente, depois de muita luta do movimento negro e do movimento estudantil. O investimento na permanência estudantil ainda é pequeno. Quer dizer, você insere o estudante negro e pobre na universidade, mas não se importa em ajudar para que ele permaneça lá dentro. Permanecer na USP é mais difícil do que entrar”, reflete Thiago.
Thiago conta que já sofreu discriminação na USP, apenas por ser um estudante da periferia, negro e LGBT. O preconceito não chega a ser escancarado, mas sutil: vai dos olhares de desconfiança até o desmerecimento da sua inteligência. É verdade que tudo isso machuca, mão não é novidade para Thiago, infelizmente.
“Eu lido muito bem até. Eu sou uma pessoa muito forte, pois eu sempre convivi com todos os tipos de opressão. Já passei por muita coisa, então, aprendi a me blindar. Acho que as pessoas que fazem parte de grupos socialmente oprimidos adquirem esse escudo, né? Claro que na hora dá muita raiva, revolta… Na verdade, entristece, saber que existem pessoas tão pequenas, de mentes tão fechadas, que precisam humilhar os outros… Mas logo passa, isso só me fortalece mais pra resistir lá dentro e abrir espaço para outras pessoas como eu”, afirma.
Da ‘quebrada’ para a ‘quebrada’
Tudo começou em uma escola da periferia e é para a preferia que Thiago pretende voltar quando se formar no curso de Ciências Sociais. Desta vez, como professor, e quem sabe ajudar outros adolescentes com trajetórias parecidas com a sua a entrar na universidade pública. Thiago ainda não decidiu se vai dar aulas em Guarulhos, ou em São Paulo, a única certeza é que será professor do ensino médio em uma escola da periferia, além de buscar uma pós-graduação.
Universidade pública
“A universidade pública é extremamente importante para a sociedade como um todo.” Em muitos sentidos, ainda mais no atual momento, destaca Thiago. Mais ainda para o jovem da periferia. Ele afirma que o acesso à universidade pública é uma oportunidade de emancipação para esse jovem.
“O conhecimento adquirido através da educação é a única forma de emancipar o pobre. Emancipa muito, faz ele se tornar um ser humano melhor e fazendo uma boa faculdade ele tem a possibilidade de arrumar um emprego. Claro que nem sempre isso acontece, mas fazer um curso superior pode te garantir um emprego fixo, algo extremamente importante para quem é pobre e da periferia”, ressalta Thiago.
“Não gosto que minha história seja usada para defender a meritocracia”
Thiago reprova quem usa sua história para defender a meritocracia. Se ele mesmo diz que não chegou à USP sozinho, bem, quem é a gente pra dizer o contrário? Ok, Thiago reconhece que teve que se esforçar, mas não veste a camisa de “preto periférico que conseguiu vencer na vida e que todo mundo consegue”. Thiago é totalmente contra esse pensamento, pois, segundo ele, não basta o esforço pessoal.
“Existe uma série de fatores que interferem na nossa vida. O fato de eu ter um pai e professores me incentivando, uma mãe presente, me dando amor e carinho, cuidando de mim, também é um privilégio. Não é porque eu consegui que todo mundo vai conseguir. É muito cruel e mentiroso defender essa ideia”, reconhece Thiago.
Pra finalizar nosso papo: “A gente não parte em posições iguais, mas diferentes. Por isso, alguns conseguem chegar na linha de chegada mais rápido do que outros. Sou totalmente contra a ideia da meritocracia e contra quem usa minha história para defender ela”.
Compartilhe o post com seus amigos!
- Siga o Razões no Instagram aqui.
- Inscreva-se em nosso canal no Youtube aqui.
- Curta o Razões no Facebook aqui.