
Há uma década, o casal Byron Virgílio dos Santos Silva, 43 anos, e Anne Christiane dos Santos Bastos, 42, de Aracaju, deu início ao projeto filantrópico Estrelas do Mar, que promove a inclusão de pessoas com e sem deficiência por meio de aulas gratuitas de bodyboard. E dá a chance de conhecer o prazer de descer uma onda a quem não teria essa oportunidade. “Só quem pratica sabe a alegria que é.”
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Ele conta que a inspiração para a iniciativa nasceu do sonho de seu primo José Ailton Sebastião Santos Silva, que morreu em 2010, quando tentava impedir que um garoto fosse assaltado. Ailton Kostela, como era conhecido, se destacava como atleta de bodyboard e trocava ideias com Byron, que também é formado em direito e policial militar, sobre como usar o esporte para ajudar crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. “Ele achava que a gente poderia mostrar um caminho diferente”, diz Byron.
Anne conta que, após a fatalidade, o marido ficou quase um ano sem ir à praia. Até que, um dia, toda a família se reuniu para um banho de mar. “Fomos com uma gurizada e umas oito pranchas de bodyboard. Como muita gente veio perguntar se éramos de alguma escola, o Byron se animou e acabamos abrindo uma, voltada a jovens carentes”, diz.
“Pouco tempo depois, vimos a propaganda de um evento que levaria pessoas com deficiência [PCDs] para experimentar um dia de surfe e pensamos: ‘Por que não oferecer uma experiência constante a elas, e não somente algo eventual? Foi assim que tivemos a ideia do projeto Estrelas do Mar”, conta ela, também bacharel em direito e policial militar.
Sem referências próximas de pessoas com deficiência, o casal consultou parentes e amigos de áreas como pedagogia, assistência social e educação física, montou a estrutura do projeto e foi apresentar à Apae (Associação de Pais e Amigos de Excepcionais). “Só oito famílias compareceram à apresentação. Mas, no dia da aula inaugural, vieram 29”, diz Byron.
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Segurança e socialização
“Começamos com atividades lúdicas, nas quais procuramos envolver os pais. Além de ajudarem no aquecimento e alongamento do corpo, esses exercícios servem para aproximar o aluno do monitor que irá acompanhá-lo no mar. Em seguida, instruímos todos eles sobre as técnicas do esporte e, por fim, fomos pegar onda”, explica ele, destacando que, até hoje, as aulas são compostas desses três momentos e que contam com a presença de salva-vidas.
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Anne diz que a ideia inicial era formar turmas com duração trimestral para cair no mar da Praia de Aruana nas manhãs de sábado. Mas, logo naquela primeira experiência, o casal percebeu que não conseguiria encerrar as turmas: o projeto representava uma oportunidade que boa parte dos alunos nunca teve, tanto por possibilitar que entrem em segurança no mar quanto por promover sua socialização. “Ali, jovens com e sem deficiência interagem, brincam… Não existe exclusão.”
Como a quantidade de inscritos crescia a cada sábado, ela e Byron se depararam com a necessidade de ter mais equipamentos, como pranchas e cadeiras anfíbias, que permitem o acesso de cadeirantes ao mar. “Para conseguirmos o valor de uma cadeira, vendemos tortas no festival de uma igreja. O empenho foi tanto que deu para comprar duas”, diz Anne. Hoje, o principal meio para levantar fundos é a realização anual de uma feijoada beneficente.
Outro desafio dos primeiros meses foi conquistar voluntários regulares, já que nenhum aluno pode entrar no mar sem um monitor. Anne, então, passou a fazer fotos e filmes dos momentos de felicidade nas aulas e a publicá-los na rede social do Estrelas do Mar. Assim, acabou chamando a atenção de instituições de ensino superior, que levaram o projeto a se tornar também polo de estágio para estudantes de cursos como educação física, fisioterapia e psicologia. “Ao perceberem quanto a troca com os assistidos faz bem a ambos, muitos se tornam voluntários”, diz Byron.
“Ali, todo mundo é igual”
Hoje, o Estrelas do Mar conta com 122 voluntários. Foi com a ajuda deles que, nestes dez anos, o projeto alcançou a marca de 3.000 pessoas assistidas. O idealizador do projeto conta que, além de receber alunos de outras cidades, houve até quem se mudasse para Aracaju ao constatar os benefícios das aulas para seus filhos. “Temos muitos relatos de melhora nos aspectos socioemocionais, motores e cognitivos. Tanto que fomos convidados para apresentar o projeto em outros estados e até nos Estados Unidos.”
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Entre as 162 famílias hoje inscritas no projeto, 103 têm integrantes com algum tipo de limitação intelectual, motora ou múltipla. Como a da professora Silvaneide de Souza Fornelos, que leva os filhos Pedro, 14, e Ana, 10, ao Estrelas do Mar desde meados de 2018. “Percebi mudanças positivas nos dois. O Pedro, que tem transtorno de espectro autista (TEA), apresentou melhoras na socialização. E, como gasta muita energia nas aulas, volta mais leve e menos agressivo para casa”, diz Silvaneide.
“Já a Ana, que é hiperativa, teve redução da agitação motora. E, por causa da interação com tanta gente com deficiência, passou a prestar mais atenção em quem é diferente e a respeitar essas pessoas”, afirma. “Uma das coisas que mais admiro no projeto é esse respeito. Ali, todo mundo é tratado como igual”, diz ela, que ficou tão encantada com o trabalho realizado pelo Estrelas do Mar que, com o marido, também passou a colaborar como voluntária. “Nós ajudamos na distribuição de lanches e na limpeza. É motivador fazer o bem!”
Para Byron e Anne, ter a confiança dos responsáveis pelos jovens que frequentam as atividades do projeto é gratificante. Byron conta que tem trabalhado para transformar o projeto em Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) e, assim, facilitar parcerias, doações e beneficiar ainda mais pessoas. “O brilho todo vem da aceitação do outro”, diz Anne. “Acho que ajudamos a quebrar muitos paradigmas. E eu sempre saio de lá cheia de amor.”
Texto: Romy Aikawa
Foto: Yasmin Galvão
Conteúdo publicado originalmente na TODOS #41, em janeiro de 2022.
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