Uma busca que levou quase doze anos. Esse foi o tempo que os pais de Medeleny, 13 anos, demoraram para ter o diagnóstico da doença de Pompe, uma condição neuromuscular rara, progressiva e hereditária.
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Caracterizada pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida (GAA), levando ao acúmulo de glicogênio lisossomal nos tecidos do corpo, principalmente na musculatura cardíaca, esquelética e respiratória, ela pode ser dividida em dois tipos: de início precoce (IOPD) e de início tardio (lOPD). A primeira se manifesta nos 12 primeiros meses de vida, já a segunda, na infância, adolescência ou na fase adulta.[1]
Atualmente, estima-se que a doença atinja 2,5 mil pessoas no Brasil[2]. Porém, o número pode ser ainda maior, considerando que os sintomas variam de paciente para paciente, e que a doença pode ser confundida com outras enfermidades neuromusculares que causam fraqueza e dor. Isso impacta diretamente na jornada em busca do diagnóstico. O tempo médio, até o tratamento adequado, é de 7 a 9 anos.[3]
“Eu fico muito orgulhosa de saber que meus pais nunca desistiram de mim”
Segundo o pai de Medeleny, Berneliton Alves, os primeiros sinais de fraqueza muscular se manifestaram quando ela ainda era bebê.
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“Pelo convívio com a nossa filha mais velha, percebemos que havia algo de errado. Ela não tinha força muscular nas pernas. Colocávamos a irmãzinha de pé e ela ficava, o que não acontecia com a Medeleny”, lembra Berneliton.
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Foi então que ele e a mãe de Medeleny, Mara Vieira, começaram a levar a menina a médicos de várias especialidades. Com nove para dez anos, Medeleny reclamava de fortes dores nos ossos das pernas, evitando participar de algumas brincadeiras no colégio com outras crianças da mesma idade, como pular corda.
“Só viemos a descobrir em fevereiro de 2020 depois que a levamos a um hepatologista. O médico percebeu que havia algo de errado, mas não era na área do fígado. Aí ele a encaminhou para um geneticista, que veio a descobrir a causa da doença. Até então, a gente também não sabia o que era a Pompe”, diz Berneliton.
“Não era só preguiça, mas o fato de eu já ter uma dificuldade física”
Welton Correia Alves é médico pediatra e também tem a doença de Pompe de início tardio. Assim como Medeleny, tinha dificuldades nas aulas de Educação Física no colégio. Reprovou no quarto ano do ensino fundamental por conta das faltas. No ensino médio, a mesma coisa. Foram mais quatro anos matando as aulas de Educação Física.
“E eu fui acabar no Exército depois da faculdade (risos). Quando entrei, vi uma diferença gritante entre eu e os demais. Todos conseguiam correr bastante, até dois mil e oitocentos metros, enquanto eu fazia mil e seiscentos. Tinha muita dor muscular. Quando fui reprovado na prova para entrar na Escola de Saúde do Exército, entendi que realmente o meu corpo tinha alguma coisa”, lembra.
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“Depois disso, fiz um raio-x por conta da dor lombar, e o colega radiologista, me vendo andar, falou: ‘Que dor é essa? Você tem que investigar’. A partir daí fui atrás do diagnóstico, mas mantendo a minha atividade médica”, continuou.
Após passar por diferentes especialistas, no Brasil e no exterior, Alves recebeu o diagnóstico definitivo em 2011, aos 44 anos de idade.
“Você vê o tempo que eu levei para o diagnóstico… Não havia percepção do professor de Educação física e nem do meu pai, que falava assim: ‘Meu filho é muito inteligente, mas é preguiçoso’. Não era só preguiça, mas o fato de eu já ter uma dificuldade física”, destacou.
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Tratamento adequado pode proporcionar mais qualidade de vida
A Terapia de Reposição Enzimática (TRE) passou a ser ofertada pelo Sistema Único de Saúde em 2020[4], mas apenas para pacientes com a doença de Pompe de início precoce. Ou seja, pacientes com o tipo tardio, como Medeleny e Alves, não são contemplados.
“Ela é eficaz tanto nas formas infantis de Pompe, que são as mais graves e podem levar a óbito com menos de dois anos de vida, quanto nas formas tardias”, afirma André Macedo, neurologista e pesquisador do Hospital das Clínicas da FMUSP.
Medeleny realiza o tratamento de reposição enzimática, feito por infusão intravenosa, em um hospital da rede privada em Aracaju. Desde a primeira sessão, sua qualidade de vida teve um salto. As dores nas pernas foram embora e hoje ela brilha na equipe de ginástica rítmica do colégio, participando de campeonatos e tudo o mais.
“Lembro que se ela pedisse para ir ao banheiro, tinha que ser naquela hora. Se demorasse mais um pouco, ela sujava a roupa. Mas depois da medicação, até isso foi controlado! Se tem passeio da escola, ela vai. Até para São Paulo ela já foi”, comemora a mãe de Medeleny.
Já a primeira infusão de Alves foi no CTI de um hospital, em 2012. De lá pra cá, também houve uma melhora significativa na sua qualidade de vida. Com seus 68 anos de idade recém-completados, Alves consegue perfeitamente fazer atividades normais do dia a dia, como dirigir seu carro e fazer compras no mercado.
“Minha missão de vida”
A relação com a doença motivou Alves a fundar a ABRAPompe (Associação Brasileira de Doença de Pompe), em 2019.
“Existem muitos pacientes que não fazem o uso do medicamento e outros que já não o recebem há anos. Foi isso o que me levou a fundar a ABRAPompe. Uma vez diagnosticada a doença, inicia-se a terapia de reposição e não se suspende porque o paciente piora. É o que queremos levar para a CONITEC para que o órgão reveja essa situação”, pondera.
“É a minha missão de vida. Eu respiro Pompe desde o momento em que eu acordo até o momento em que eu vou dormir, sempre pensando na incorporação do medicamento no SUS”, continuou Alves, espécie de “guru” dos pais de Medeleny.
“O Dr. Welton nos deu muitas informações sobre a doença e é assim até hoje. É o guru da gente. Quando precisamos saber de algo, entramos em contato com ele”, comenta Berneliton.
Consulta Pública
Acaba de ser aberta uma consulta pública da CONITEC para a inclusão de medicamentos no SUS, visando a ampliação do tratamento para pacientes com doença de Pompe de início tardio (LOPD). Vale destacar que 70% da população com a enfermidade possui o tipo tardio[5].
Em 2021, foi feita uma consulta pública sobre o tema. A decisão negativa chamou a atenção das associações de pacientes e parlamentares. Após uma forte mobilização, no início de julho, foi aprovado requerimento para a realização de audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir a incorporação de TRE para tratamento de pacientes com o tipo tardio da doença.
A consulta pública vai escutar a sociedade e ficará aberta até o dia 27/07. A sua participação é muito importante para os pacientes de Pompe. Veja abaixo o tutorial.
MAT-BR-2202946
[1] TOSCANO, Antonio. et. al. Multisystem late onset Pompe disease (LOPD): an update on clinical aspects. National. Ann Transl Med, 2019. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6642938/>. Acesso em: 21 jun. 2022.
[2] MONTALTI. Edimilson. Neurologista da Unicamp fala sobre doença de Pompe, que causa fraqueza muscular progressiva. Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP. Disponível em:<https://www.fcm.unicamp.br/fcm/relacoes-publicas/saladeimprensa/neurologista-da-unicamp-fala-sobre-doenca-de-pompe-que-causa-franqueza-muscular-progressiva>. Acesso em: 21 jun. 2022.
[3] van Capelle C. I. et al, Orphanet J Rare Dis. Childhood Pompe disease: clinical spectrum and genotype in 31 patients. May 2016; 11: 65.
[4] CERILO, Jessica. SUS passa a ofertar medicamento para Doença de Pompe. Governo Federal. 2019. Disponível em:<https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2019/outubro/sus-passa-a-ofertar-medicamento-para-doenca-de-pompe>. Acesso em: 21 jun. 2022.
[5] Ausems MGEM, et al. Community Genet. 1999;2:91-96 Hirschhorn R, et al. In: The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease. 2001:3389-3420
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