Você veio ao mundo vestido (a)? Certamente, não. Embora a grande maioria das pessoas fique despida pelo menos uma vez por dia, são poucas as que admiram ou conhecem seu próprio físico. Ciente disso, a jornalista e fotógrafa Olivia Nachle, faz cliques na busca de naturalizar o corpo, deixando de lado o pudor e os pecados. Conversei com ela sobre feminismo, nudez e tabu, essa palavrinha que censura e impede avanços.
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Uma praia de San Diego, na Califórnia, foi cenário para o projeto “Ser Água”, que capta a conexão entre mulher e natureza, formas fluídas e orgânicas. Ele foi feito junto com a amiga de Olivia, Thais Tavares, jornalista e instrutora de yoga. O nu, infelizmente, é constantemente clicado de um jeito apelativo, machista e que objetifica o corpo feminino. As consequências disso, ao longo de várias gerações, é o fomento de uma idealização perfeita, irreal, obcecada e que abre precedentes para o assédio.
O tabu da nudez
Estar nu é, antes de mais nada, estar livre, inclusive das amarras sociais. Para uma mulher, o preço que se paga pode ser muito alto e até perigoso, afinal, a hostilização já é comum só pelo uso de uma saia curta ou um decote, peças que mostram mais pele do que “deveriam”, segundo os padrões conservadores. Isso já pode ser o gatilho para uma série de discórdias, estigmas, injustiças, julgamentos e pequenas e grandes violências.
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Dito isso, a primeira pergunta que faço é para você, leitor ou leitora: até quando? As demais perguntas, quem me responde é a Olívia, diretamente da Indonésia:
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– Nascemos nus e morremos, teoricamente, despidos. Na sua visão, por que andar nu ainda é um tabu? E por qual motivo isso choca tanto?
A impressão que tenho é que distorceram totalmente a visão do que o nosso corpo representa. Primeiro, por toda essa sexualização que ensinaram que ele carrega -corpo é muito mais do que só essa camada sexual. Depois, por um padrão completamente irreal que disseram que era o que deveríamos seguir -e que faz com que todos fiquemos presos a um modelo que pouquíssimas pessoas têm. Essas duas coisas impedem que a gente olhe pro nosso corpo do jeito que deveríamos: como nosso templo, como nosso reflexo aqui do lado de fora. Acho que esse conjunto de favores, muito característicos da nossa sociedade, jogam uma dose sem tamanho de julgamento e de hipocrisia nessa questão.
– O corpo feminino é visto com beleza e delicadeza, formas que muitas vezes se confundem com vulgaridade e até mesmo levam ao assédio. Como desconstruir essa imagem? Acredita que o seu trabalho ajuda nessa tarefa?
Esse é um dos pontos de maior hipocrisia quando a gente fala de nudez: nessa sociedade extremamente machista em que a gente vive, nossos pais e até avôs foram ensinados que quando o cara faz 13 anos, ele tem que trepar. Eles cresceram vendo revistas de mulher pelada cujo único objetivo era objetificar o corpo da mulher, além de ensinarem para os meninos que existe um tipo certo de “mulher pra casar”. É uma cultura que está muito enraizada na forma como a sociedade vê o corpo feminino. Por que um homem pode andar sem blusa na rua, mas a mulher pode até ser presa se quiser fazer topless? É vital que a gente combata esse tipo de visão. Mas como? Se cobrindo? Abaixando a cabeça pros julgamentos que já estamos tão acostumadas?
O que eu tenho percebido é que a nossa geração está assumindo as rédeas para decidir o que bem fazer com o seus corpos: se quiser mostrar, mostra; se quiser cobrir, cubra. Escolha é a palavra chave. Meu corpo, minhas regras. É claro que ainda tem uma linha muito tênue que separa essas visões, e que pode ser interpretada de várias formas. Muitos dos ensaios que eu faço tem um objetivo por trás de quem está sendo fotografada, que pode ir desde a libertação de padrões, até a tentativa de quebrar traumas antigos, como assédios e estupros. Porém, é fato que às vezes as motivações não chegam até quem vê as fotos, onde acabam enxergando só o casco: a sexualização. É uma questão delicada, que vivemos diariamente. Mas eu tenho sentido que a empatia vem aumentando -e que essa sensibilidade necessária por trás de um corpo pelado vem sendo espalhada.
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– Se despir é uma forma de se empoderar?
Absolutamente. Se despir é a forma mais literal de tirar as camadas que colocaram na frente dos nossos olhos e que não permitem que a gente se enxergue da forma como realmente somos. Nos olhamos no espelho e já procuramos aquelas “imperfeições” que sempre nos apontaram. Ficar pelado -e se sentir bem com isso- é uma das sensações mais libertadoras, que acabam refletindo em várias outras áreas da nossa vida.
– Por que e como optou por fazer cliques de mulheres nuas? Isso te ajuda na conexão e entendimento da figura feminina?
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Foi tão natural que nem lembro de ter optado por isso. As primeiras fotos que fiz foram de uma amiga, na praia. Era muita beleza junta e pareceu mais normal não ter roupa no meio daquela conexão toda. Desde então, cada ensaio que eu faço de mulheres nuas é um mergulho pra dentro de mim mesma. No fundo (e também na superfície) somos espelhos, cheias de inseguranças, críticas e medos. Mas acima disso tudo, há uma beleza infinita dentro de cada uma.
Minha visão mudou muito desde que comecei a olhar de verdade para corpos diferentes do meu, e diferentes dos padrões. Diariamente deixo pra trás pré-conceitos que sempre carreguei comigo e tenho enxergado muito mais beleza em tantas “imperfeições” que nossos templos carregam. A vida tem sido mais leve.
– O Ser Água tem essa ideia de fluidez, de conexão com a natureza. Como a mistura destes elementos resultou numa série de fotos?
O Ser Água é um projeto que eu e a Thais criamos quando nos jogamos numa trip de 40 dias, numa van pela Califórnia, em 2015. A ideia era criar um espaço onde a gente conseguisse compartilhar as histórias e imagens que encontrássemos pelo caminho, de uma forma leve, fluída e verdadeira – bem do jeito que a viagem aconteceu. Foi um mergulho muito profundo na natureza e em um estilo de vida que nos abraçou e que fez com que a gente vivesse de verdade aquela história do “entrego, aceito, confio e agradeço”.
As fotos foram reflexo desses momentos tão incríveis que a gente viveu. O projeto acabou ganhando visibilidade e a gente criou uma produtora de conteúdo criativo. Buscamos e somos buscadas por empresas e marcas que tenham essa mesma visão de mundo que a gente e que queiram compartilhar como é necessário olhar pra coisas de um jeito otimista e com sentimento.
– Com as redes sociais mostrando vidas e corpos perfeitos, em contraponto com posts de aceitação e até de protesto em relação aos padrões, acredita que a fotografia resgata a autoestima das pessoas?
Com certeza. O que eu mais ouço das meninas quando elas veem as fotos é “nossa, mas nem parece que sou eu”. E, pra mim, as fotos são exatos reflexos do que eu vejo nelas. É aquela história das camadas que a gente coloca na frente do próprio olho e que não deixam a gente se ver do jeito que realmente somos: acabamos sempre focando nas ditas “imperfeições”. E daí, quando você se entrega pra ser fotografado, pra se olhar pelo olhar do outro, essas camadas perdem o valor. Eu já me coloquei do outro lado da câmera também pra sentir isso e é incrível quão libertador pode ser.
– O que você sugere para as pessoas que se sentem desconfortáveis em sua própria pele?
Acho que primeiro de tudo tem que vir a consciência. Entender plenamente e racionalmente que somos todos muito diferentes e que esse padrão de beleza que foi criado não é verdadeiro. Beleza é algo extremamente relativo e está em todo mundo, de um jeito ou de outro. Quando você entende que tem coisas que são suas -e só suas- dá pra passar a olhar pra elas com amor. E daí a chave vira. Corpo é o nosso templo, e a gente tem precisa cuidar e valorizá-lo.
– Qual foi a experiência que mudou a sua vida e te levou para a fotografia?
Desde pequena eu sempre fotografei. Lembro de mim ‘picurrucha’ com uma câmera de filme digital pra cima e pra baixo fotografando tudo. Quando eu fui estudar um pouco de fotografia e vi que dava pra brincar com a luz, pirei. Desde então, meus momentos de maior conexão são quando eu tô com minha câmera em mãos, caçando luz e sombras e olhares e respiros da natureza.
– Qual é a maior sensação de liberdade que você já teve ou tem?
Liberdade é estado de espírito, né? Acho que é uma combinação de fatores que fazem você se sentir muito bem em estar no aqui e no agora. E tenho que dizer que tenho sentido muito isso. Acho que tem a ver com o fato de entender e aceitar os sinais que a vida vai dando e que vão fazendo o caminho ser trilhado com conexão. A fotografia, a natureza dando o cenário e os corpos nus e livres são só consequência disso tudo.
Para quem quiser se manter atualizado das aventuras, o Instagram da Olivia é @olivianachle
Todas as fotos © Olivia Nachle e Thais Tavares
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