Após anos estudando fora, na Universidade de Brasília, duas mulheres agricultoras e indígenas retornaram à comunidade onde nasceram para pôr em prática tudo aquilo que aprenderam na Academia.
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Nascidas em Surucuá, na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, no Pará, Raquel Tupinambá e Mariane Chaves estão à frente de uma iniciativa que visa produzir derivados tradicionais da mandioca a partir dos conhecimentos acadêmicos adquiridos pela dupla na universidade.
“A saída minha e de Mariane, que é minha irmã, da comunidade, para estudar fora, nos possibilitou ter uma visão diferente de quando a gente morava na comunidade. A gente pode perceber que tem muitos conhecimentos e recursos nas nossas comunidades”, conta Raquel, bióloga com mestrado em botânica e que agora se divide entre São Pedro do Tapajós, aldeia indígena vizinha à Surucuá, e a Universidade de Brasília, onde é doutoranda em antropologia.
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Batizado de Projeto Mani-Oara, a iniciativa conta com uma pequena fábrica artesanal em Surucuá, e atualmente já comercializa seus produtos, principalmente o Vinho de Mandioca, em feiras e lojas de Santarém e Alter do Chão, no Oeste do Pará.
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Agricultora e mestre em agroecologia pela Universidade Federal de Viçosa (MG), Mariane explica a origem do nome do projeto: “Mani-oara é uma formiga. Contando a história das formigas, que juntas são mais fortes, a gente pensou em colocar no nosso produto maior o nome do nosso projeto: Mani-Oara”.
“Em 2016, com o trabalho da Raquel no mestrado, a gente percebeu a necessidade de uma valorização maior da mandioca. A gente resolveu trabalhar com dois produtos, que é o vinho de mandioca, que a gente chama de Mani-Oara e o Tucupi Preto, que é mais conhecido nas outras regiões, tipo Belém e no Rio Negro”, recorda Mariane sobre como surgiu a ideia.
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Raquel identificou durante sua pesquisa de mestrado mais de 40 variedades de mandioca disponíveis em Surucuá e comunidades vizinhas. Ciente de que mesmo a mandioca sendo uma cultura tradicional, seria possível encontrar novas alternativas culinárias em sintonia com a agroecologia e ao mesmo tempo com o modo de vida local.
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“A gente já maneja a mandioca há milênios. Nossos antepassados sempre manejaram. Observando e pesquisando sobre a mandioca, eu comecei a perceber a importância da gente construir uma cadeia produtiva e nela pensar produtos que possam chegar nos mercados mais distantes.”
O vinho Mani-Oara passa por um processo de fermentação iniciado por micro-organismos isolados de uma outra bebida derivada da mandioca. “O Tarubá e o Caxiri são bebidas indígenas que vêm sendo usadas desde os ancestrais. Aí a gente pensou: por quê não fazer um outro derivado. E como que a gente fez isso? Nós isolamos alguns fungos da bebida do tarubá. Após a desintoxicação da massa da mandioca, colocamos estes fungos pra fazer o processo de fermentação do Vinho de Mandioca. Então a gente chegou em 8% de teor alcoólico.”
Raquel afirma que aliar os saberes tradicionais das comunidades indígenas aos conhecimentos científicos tem sido uma experiência bastante estimulante. “Comecei a fazer os primeiros experimentos em casa e a partir daí a gente começou a se organizar. O conhecimento acadêmico possibilitou o isolamento de microorganismos presentes nas bebidas. Foi essa interação: o conhecimento tradicional com o conhecimento acadêmico”, diz a antropóloga.
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Somando a tudo isso, veio a participação das comunidades envolvidas. “Nós estamos organizados em uma associação, que é a Ampravat (Associação de Micro Produtores Rurais e Indígenas de Amorim a Vista Alegre do Tapajós), que pega várias comunidades, que estão participando desse projeto e que estão super animadas”, ressalta Mariane.
Para a antropóloga, o objetivo do projeto Mani-Oara é muito mais do que oportunizar renda. “As mulheres são protagonistas na produção de alimentos. São elas que cuidam principalmente da roça, da produção dos quintais, e muitas das vezes são invisibilizadas pela sociedade, pelos seus maridos, que acabam não percebendo todo esse papel da mulher na sociedade amazônida. Por ser mulher também, pensamos: a gente tem que fazer algo que dê visibilidade para nós mulheres. A ideia do projeto não é só a produção pelo dinheiro, mas também proporcionar às mulheres oficinas, trocas de saberes, reuniões políticas. A gente já levou uma oficina de ginecologia política. Foi muito legal as mulheres conhecerem mais o corpo, não ficar com muito receio do uso do seu corpo.”
Grande apreciadora da bebida feita em Surucuá, a professora e moradora da comunidade Alter do Chão, Thais Medeiros, diz que é uma “alegria poder beber um vinho tão bom”.
“É uma alegria sabendo que é oriundo de projetos de sustentabilidade, e que trabalha com a cultura, com o bem viver, com a preservação dos saberes e dos usos. E feito numa comunidade dentro de uma reserva extrativista, que é a Tapajós Arapiuns. Eu sugiro que todos tenham a oportunidade de provar o Vinho de Mandioca,” comentou Thais.
O microempresário Harald Weinert elogiou o produto e manifestou interesse em ceder espaço ao vinho Mani-Oara nas prateleiras de sua mercearia. “A iniciativa de trabalhar em cima da mandioca, a cultura tradicional aqui da Amazônia, e dar uma aprimorada, um acabamento diferenciado, achei muito boa. Eu falei pra moça que está produzindo para usar o meu ponto de açaí aqui também como um canal de venda, não só para gerar renda pra mim, mas também para as comunidades rurais.”
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Fonte: Brasil de Fato/Fotos: Bob Barbosa/Brasil de Fato
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