‘Experiência de quase morte me transformou em músico de ponta’ – conheça a história de Tony Kofi

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tony kofi experiência de quase morte

Na adolescência, o músico britânico Tony Kofi, 55, que atua como saxofonista e flautista de jazz, sofreu um acidente de trabalho. Ao cair de uma grande altura, ele relata ter tido uma visão de si mesmo tocando um instrumento musical, mesmo sem nunca ter aprendido.

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Essa visão o fez mudar completamente os rumos de sua vida, levando-o a se tornar um dos maiores saxofonistas da nossa geração.

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Tony tinha 16 anos quando estava no terceiro andar de um prédio, trocando o antigo telhado de uma casa e apreciando como o dia estava bonito – céu claro, limpo e muito tranquilo. “Eu estava muito feliz”, relembra ele sobre aquela manhã de primavera, em 1981, época em que trabalhava como aprendiz de carpinteiro.

Numa fração de segundo, enquanto serrava uma tábua de madeira, ela se partiu. “Eu não serrei corretamente e ela se partiu. A tábua ficou presa na minha manga e me derrubou”, contou.

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Ao cair, seu primeiro pensamento foi que ele não iria conseguir sobreviver. Nesse instante, ele relata ter ficado totalmente relaxado: deixou-se cair e fechou os olhos.

“Eu não sei se foi a adrenalina ou outra coisa — porque eu li sobre isso, quando você cai de uma grande altura, tudo fica mais lento. Comecei a ver flashes de imagens. Era inacreditável”.

Rapidamente, Tony viu diferentes partes do mundo e rostos de pessoas que ele não conhecia.

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“Vi crianças que nunca havia visto antes — que se tornariam meus filhos, imagino. E algo que realmente ficou na minha mente foi que eu estava de pé, tocando um instrumento. Simplesmente pensei: ‘esta é a sensação mais estranha que tive na vida’. Foi tudo o que vi e desmaiei em seguida.”

Horas depois do acidente, Tony acordou no hospital com os pais e dois irmãos ao seu lado, desesperados de tanta preocupação e questionando se ele estava bem.

“Eu respondi: ‘minha cabeça dói muito’ e eles disseram: ‘você nos deu um susto, você esteve inconsciente por dias'”, relembra o músico.

Ao cair, ele bateu a cabeça no solo com muita força – tanta que poderia ter morrido. Sobreviver sem traumas cerebrais foi um milagre.

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Cerca de um mês depois do acidente, Tony recebeu alta e foi pra casa. Ele teve direito à uma indenização pela queda e seu emprego permaneceu aberto para que ele retornasse assim que estivesse pronto.

No entanto, as imagens da experiência de quase morte não desapareciam da mente do jovem e continuavam “piscando” sempre que ele fechava seus olhos.

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“Elas realmente me assombravam, pois era quase como se alguma coisa estivesse sendo mostrada para mim”, afirmou. Tony guardou isso em segredo, mas hoje reconhece que aquela queda alterou seu comportamento e suas atitudes perante a vida para sempre.

Não demorou muito para ele começar a estudar música, e gastar o dinheiro da indenização comprando um instrumento, o mesmo que apareceu em sua visão: um saxofone.

“Não estou dizendo que era musicalmente ignorante naquela época, mas eu nunca havia visto um saxofone”, afirmou Tony. “Provavelmente eu havia ouvido no rádio, mas sem prestar nenhuma atenção.”

No ano seguinte, Tony pagou 50 libras pelo seu primeiro saxofone — era muito dinheiro nos anos 1980, equivalente a cerca de R$ 1.500 hoje em dia.

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A mãe recebeu a notícia com estranheza, mas Tony buscou tranquilizá-la. “Eu disse: ‘É um saxofone e vou aprender a tocar'”, contou Tony. “Vou sair do emprego.”

Os pais do rapaz bem que tentaram convencê-lo a voltar ao trabalho antigo, mas ele estava inflexível. “Eu disse que não podia voltar atrás. Eles não compreendiam o motivo, mas eu disse a eles: ‘Se eu voltar atrás, será como se tivesse morrido naquela queda'”.

Apesar de não ter dinheiro para as aulas, tampouco os pais, Tony contou com o apoio da mãe, que ofereceu os discos de vinil para o filho escutar e aprender o básico.

“Ela me deu as pilhas de discos e disse: ‘veja, estas são músicas muito boas, use esses discos e aprenda com eles’. Foi exatamente o que fiz. Eu gravei os discos em fita cassete, coloquei os fones de ouvido e passei a ouvir constantemente e tentar aprender a tocar junto com eles”, disse.

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As primeiras tentativas de tocar o saxofone não foram lá das melhores. “Parecia uma criança com cinco anos de idade tentando tocar violino. O som era angustiante e doloroso para os ouvidos”.

A prática foi refinando a qualidade musical de Tony – ele chegava a praticar 10 horas por dia. Certo dia, a mãe trouxe uma bandeja de comida para o seu quarto e disse: “estou reconhecendo o que você está tocando… adoro essa música”.

Era a canção ‘Take the “A” Train’, do pianista e compositor de jazz Duke Ellington. A música fala de um trem de metrô de Nova York, nos Estados Unidos, acelerando pelos trilhos até o distrito de Sugar Hill, no Harlem.

Em paralelo, Tony sentia que sua vida também estava nos trilhos. “Foi uma ótima época para ser eu mesmo”, afirmou.

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Entre 1986 e 1987, o músico buscou aprender mais sobre teoria musical. Após ser rejeitado pela Faculdade de Nottingham por não ter realizado exames ou graduações musicais, ele descobriu a revista norte-americana “Downbeat”, e com ela, anúncios de faculdades de música nos Estados Unidos.

“Eu simplesmente escolhi uma e pensei: ‘Quer saber? Vou escrever para eles e tentar me candidatar.’ E foi exatamente o que eu fiz”, contou.

Pouco depois, ele se inscreveu para a Faculdade de Música Berklee em Boston, Massachusetts (Estados Unidos), centro de excelência musical. Os alunos de Berklee já ganharam 311 prêmios Grammy.

“Primeiro eles me ouviram e, um dia, eles me aceitaram”, contou Tony, que foi estudar música nos EUA em 1988, com 24 anos de idade.

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Ele recebeu uma bolsa de estudos porque, na visão da faculdade, o aluno era “muito bom para alguém que havia sido autodidata“. Seus pais ficaram muito orgulhosos e impressionados com sua persistência e progresso.

“Quando eles descobriram que eu havia sido aceito pela Faculdade de Música Berklee, todos ficaram dizendo ‘uau, isso não é brincadeira, isso é muito sério’. E então contei aos meus pais sobre as visões”, relembrou.

Em Berklee, Tony experimentou anos fantásticos. “Eles aceitaram minha chegada como se fosse a coisa mais normal do mundo”, disse ele. “Mas, na Inglaterra, o país onde nasci, parece que você precisa passar por um sistema para ser aceito.”

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Ao retornar para o Reino Unido, nos anos 2000, ele trabalhou no seu primeiro álbum, All is Known, que ganhou o Prêmio de Jazz do Parlamento e o BBC Jazz Award em 2005.

“Eu lembro que a primeira faixa que gravamos chamava-se Boo Boo’s Birthday, do [pianista e compositor de jazz norte-americano] Thelonious Monk”, conta Tony, “e me lembro de ter a partitura na minha frente. Fiz uma primeira gravação, nós a ouvimos e pensei comigo: ‘sabe, parece que estou lendo a cartilha.”

“Eu pensei: ‘OK, preciso voltar a me sentir confortável, como no princípio’. Rasguei então a partitura, joguei no cesto de lixo e toquei cinco trechos de pura magia. Foi assim que fiz todo o álbum, sem partitura, apenas tocando.”

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Atualmente, além de saxofonista, flautista, compositor e líder de banda, Tony também trabalha como professor na Academia de Jazz Julian Joseph e na Academia World Heart Beat Music.

No ano passado, ele começou a lecionar no Conservatório Trinity Laban de Música e Dança e, este ano, recebeu o grau de professor honorário da Universidade de Nottingham – a mesma que a rejeitou 40 anos atrás.

Hoje, seu passatempo tem sido trabalhar com músicos jovens e idosos, inspirando-os a viver seus sonhos e nunca perder a esperança.

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Quanto àquelas imagens que viu enquanto caía do telhado — os diferentes locais do mundo e os rostos das crianças, Tony conta, elas também ganharam vida.

“Tenho três filhos maravilhosos e sou também avô”, conta ele. “Tudo aquilo aconteceu e viajei por todo o mundo. Trabalhei com alguns dos maiores músicos do planeta.”

Na sala de aula, enquanto leciona, Tony costuma incentivar seus alunos a tocar de ouvido, sem partitura. A sensação é totalmente liberadora, ele conta.

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“É como andar de bicicleta sem rodinhas”, afirma Tony. “Você usa as rodinhas para manter o equilíbrio. Quando você retira as rodinhas, a criança anda de bicicleta com muita liberdade — é isso o que parece.”

Mais do que nunca, Tony Kofi tem seguido um dos maiores conselhos de Louis Armstrong: “Nunca toque uma música da mesma forma duas vezes”.

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Fonte: BBC Brasil
Fotos: Tony Kofi

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